Primeiramente, quero que leiam as REGRAS DE TAREFA:
(http://cursopreparatorioparacefetmt.blogspot.com/2022/01/regras-de-tarefa-do-curso-para-novos.html) para
realizarem-na de forma correta e não deixar que sejam desclassificadas.
Texto 01
O INCÊNDIO DE CADA
UM
Affonso Romano de
Sant'Anna
A cena foi
simples. Ia eu passando de carro pela Lagoa quando vi na calçada uma moça
esperando o ônibus com seu jeans e bolsa a tiracolo. Nada demais numa moça
esperando o ônibus. Mas eis que passou um caminhão de som tocando uma lambada.
Aí aconteceu. Aconteceu uma coisa quase imperceptível, mas aconteceu: os
quadris da moça começaram a se mexer num ritmo aliciante. Já não era a mesma
criatura antes estática, solitária, esperando o ônibus na calçada. Ela havia se
coberto de graça, algo nela se incendiara.
A fotógrafa veio
fazer umas fotos. Estava com o pescoço envolto num pano, pois tinha torcicolo.
E eu ali posando meio frio, fingindo naturalidade, e ela cautelosa com seu
pescoço meio duro, tirando uma foto aqui, outra ali, quase burocraticamente. De
repente, ela descobriu um ângulo, e pronto: se incendiou profissionalmente,
jogou-se no chão, clic daqui, clic dali, vira para cá, vira para lá, este
ângulo, aquele, enfim, desabrochou, o pescoço já não doía. Ela havia detonado
em si o que mais profundamente ela era.
Estamos numa
festa. Aquele bate-papo no meio daquelas comidinhas e bebidinhas. Mas de
repente alguém insiste para que outro toque violão. Aparentemente a contragosto
ele pega o instrumento. E começa a dedilhar. Pronto, virou outra pessoa.
Manifestou-se. Elevou-se acima dos demais, está além da banalidade de cada um.
Achou o seu lugar em si mesmo.
Assim também
ocorre quando vemos no palco o cantor dar seus agudos invejáveis, o bailarino
dar seus saltos ou o atleta no campo disparar seus músculos e fazer aquilo que
só ele pode fazer melhor que todos nós. Isto é o que ocorre quando o
instrumentista pega o sax e sexualiza todo o ambiente com seu som cavernoso e
erótico. Isto é o que se dá até quando um conferencista ou um professor
entreabre o seu discurso e põe-se como uma sereia a seduzir a plateia, como um
maestro seduz todo o teatro.
Há um momento de
sedução típico de cada um. Quando o indivíduo está assentado no que lhe é mais
próprio e natural. E isto encanta.
Claro, esses são
exemplos até esperados. Mas há outros modos de o corpo de uma pessoa
embandeirar-se como se tivesse achado o seu jeito único e melhor de ser. Digo,
o corpo e a alma.
Mas nem todos
podemos ser tão espetaculares. Nem por isso o pequeno acontecimento é menos
comovente.
De que estou
falando? De algo simples e igualmente comovente. Por exemplo: o jardineiro que
ao ser jardineiro é jardineiro como só o jardineiro sabe e pode ser.
E que ao falar das
flores, ao exibi-las cercadas de palavras, percebe-se, ele está em transe.
Igualmente o especialista em vinhos, que ao explicar os diversos sabores nos
quatro cantos da boca faz seus olhos verterem prazer e embalam a quem o ouve
com sua dionisíaca sabedoria.
Feita com amor,
até uma coleção de selos se magnifica. Se torna mais imponente que uma pirâmide
se a pirâmide for descrita ou feita por quem não a ama. É assim que pode entrar
pela sala alguém e servir um cafezinho, mas sendo aquele o cafezinho onde ela põe
sua alma, ela se torna de uma luminosidade invejável.
Cada um tem um momento, um gesto, um ato
em que se individualiza e brilha. Nisto nos parecemos com os animais e peixes
ou quem sabe com as nuvens. Animais e peixes têm isto: têm trejeitos raros e
sedutores, cada um segundo sua espécie. Até as nuvens, como eu dizia, tem seu
momento de glória.
Uma vez vi um
pintor em plena ação, pintando. Meu Deus! O homem era um incêndio só, uma
alucinação. Sua face vibrava, havia uma febre nos seus gestos. Era uma erupção
cromática, um assomo de formas e volumes.
Então é disso que
estou falando. Dessa coisa simples e única, quando o que cada um tem de mais
seu relampeja a olhos vistos. Quando isto se dá, quebra-se a monotonia e o
indivíduo se transcendentaliza.
Pode parecer
absurdo, mas já vi uma secretária transcendentalizar-se ao disparar seus dedos
no teclado da máquina de escrever. Era uma virtuose como só o melhor violinista
ou pianista sabem ser. E as pessoas achavam isto mais sensacional que se ela
estivesse engolindo fogo na esquina.
Isto é o que
importa: o incêndio de cada um. Cada qual deve ter um jeito de deflagrar sua
luz aprisionada. As flores fazem isto sem esforço. Igualmente os pássaros.
Todos têm seu momento de revelação. É aguardar, que o outro alguma hora vai se
manifestar.
(SANT’ANNA,
Affonso Romano de. Porta de colégio e outras crônicas.3.
ed. São Paulo,
Áttica, 1997. p. 86-9, “Para Gostar de Ler 16”)
01) No sexto parágrafo do texto, o
autor afirma: “Claro que são exemplos até esperados”. Dentre os exemplos,
citados nos parágrafos anteriores, NÃO podemos citar:
a) o da moça que esperava o ônibus;
b) o da fotógrafa, do maestro e do
bailarino
c) o do violinista e do atleta, do
conferencista
d) o do cantor e do saxofonista
e) todos acima
02) O que o cronista deseja
demonstrar com exemplos citados na alternativa anterior?
a) deseja provar que, num determinado
momento cada pessoa revela o que tem de melhor em si, encontra “seu jeito único
e melhor de ser.”;
b) deseja demonstrar que as diferenças
realmente existem, mas não são preponderantes nas relações;
c) deseja demonstrar que, aqueles que
estudam chegam ao seu objetivo mais rapidamente, em detrimento aos que não
possuem conhecimento.
d) deseja, de certa forma, demonstrar o
valor interior das pessoas que trabalham com pessoas.
e) deseja demonstrar que a vitória
pertence a todos aqueles que buscam superar seus limites.
03) Sobre o texto podemos afirmar
que:
a) O autor considera os exemplos da
questão 01 inesperados;
b) A comparação, um dos recursos que
empregamos frequentemente, com a finalidade de ressaltar nossas ideias, é vista
pelo autor através da relação feita entre o ser humano e animais, peixes,
nuvens, mares e pássaros
c) A cena que se narra no segundo
parágrafo faz supor que o cronista seja alguém comum, sem fama;
d) O fato de a fotógrafa ter ido até a
casa do cronista para fotografá-lo provavelmente para alguma reportagem de
Jornal ou revista, revela sua identidade.
e) Para escrever sua crônica o autor
partiu de fatos excepcionais.
Texto 02
O BOI DE GUIA
Cora Coralina
O menino tinha
nascido e se criado em Ituverava, da banda de Minas. O pai era um carreiro de
confiança, muito procurado para serviços e colheitas. Tinha seu carro antigo,
de boa mesa rejuntada, fueirama firme, esteirado de couro cru, roda maciça de
cabiúna ferrada, bem provido o berrante de azeite e com seu eixo de cocão
cantador que a gente ouvia com distância de légua. Desses que antigamente
alegravam o sertão e que os moradores, ouvindo o rechinado, davam logo a pinta
do carreiro.
O
pai tinha o carro e tinha as juntas redobradas em parelhas certas, caprichadas,
bois arados, retacos, manteúdos, de grandes aspas e pelagem limpa. Era só que
possuía. O canto empastado onde morava, família grande, meninada se formando e
sua ferramenta de trabalho – os bois de carro.
Trabalhava
para os fazendeiros de roda, principalmente na colheita de café e mantimentos,
meses a fio, enchendo tulhas e paióis vazios. Quando acabava o café, era a
cana, do canavial para os engenhos, onde as tachas ferviam noite e dia e
purgavam as grandes formas de açúcar, cobertas de barro.
O
candeeiro era ele, pirralho franzino, esmirrado, de cinco anos.
Os
pais antigos eram duros e criavam os filhos na lei da disciplina. Na roça,
criança não tinha infância. Firmava-se nas pernas, entendia algum mandado, já
tinha servicinho esperando.
Aos
quatro anos montava em pelo, cabresteava potranquinha, trazia bezerro do pasto,
levava leite na cidade e entregava na freguesia.
Era
botado em riba do selote, não alcançava estribo. Se descesse, não subia mais.
Punha o litro nas janelas.
O
cavalo em que montava era velho, arrasado manso e sabido. Subia nas calçadas,
encostava nos alpendres, conhecia as ruas, desviava-se das buzinas e parava
certo nos fregueses.
Quando
de volta, recolhendo a garrafa vazia, gritava desesperadamente:
-
Garrafa do leite...garrafa vaziiia! ...
Um
da casa, atordoado com a gritaria, se apressava logo a entregar o litro
requerido.
Ajudava
o pai. Desde que nasceu, contava ele. Nunca se lembra de ter vadiado como os
meninos de agora. Quando começou a entender o pai, a mãe, os irmãos, o cachorro
e o mundo do terreiro, já foi fazendo servicinho. Catava lenha fina,
garrancheira para o fogão, caçava pela saroba os ninhos das botadeiras, ia
atrás dos peruzinhos e já quebrava xerém às chocas de pinto. Do pasto trazia os
bois de serviço. Seu gosto era vir pendurado no chifre do guia barroso – tão
grande, tão forte, tão manso – sempre remoendo seus bolos de capim, nem
percebia, também não se importava, não dava mostras.
Acostumou-se
com os bois e os bois com ele. Sabia o nome de todos e os particulares de cada
um. Chamava pra mangueira. O pai erguia os braços possantes e passava as grande
cangas lustrosas; encorreiava os canzis debaixo das barbelas, enganchava o
cambão, encostava o coice, prendia a cambota. Passava mão na vara, chamava. As
argolinhas retiniam e o carro com sua boiada arrancavam o caminho das roças.
Com
cinco anos, era mestre-de-guia, com sua varinha argolada.
Às
vezes, o serviço era dentro de roças novas, de primeira derrubada, cheia e
tocos, tranqueirada de paulama, mal-encoivaradas, ainda mais com seus muitos
buracos de tatu.
O
carreador, mal-amanhado, só dava o tantinho das rodas. Os bois que aguentassem
o repuxado, e o menino, esse, ninguém reparava nele. Aí era que o carro vinha
de caculo. A colheita no meio da roça. Chuvas se encordoando de norte a sul
ameaçando o ar do tempo mudado e o fazendeiro arrochando pressa.
A
boiada tinha de romper a pulso. O aguilheiro na frente, pequeno, descalço, seu
chapeuzinho de palha, seu porte franzino, dando o que tinha.
Sentia
nas costas o bafo quente do guia. Sentia no pano da camisa a baba grossa do
boi. O pai atrás, gritando os nomes, sacudindo o ferrão. A boiada, briosa e
traquejada, não queria ferrão no couro, a criança atrapalhava. Aí, o guia
barroso dava um meneio de cabeça, baixava a aspa possante e passava a criança
pra um lado.
O
menino tornava à frente. Outra vez a baba do boi na camisa, o grito do carreiro
afobado, o tinido das argolinhas e a grande aspa passando a criança pra um
lado.
O
pai gritou frenisado:
-
Quem já viu aguiero chamá boi de banda...Passa pra frente porquera...
-
Nhô pai, é o boi que me arreda...
-
Passa pra frente, covarde. Deixa de invenção, inzoneiro...
O
menino enfrentou de novo. O homem sacudiu a vara e pondo reparo. A argola
retiniu, as juntas arrancaram. O barroso alcançou a criança. Ia pisar, ia
esmagar com sua pata enorme e pesada.
Não
pisou, não esmagou. Virou o guampaço num jeito e passou a criança pra um lado
sem magoar. Aí o velho carreiro viu...viu o boi pela primeira vez...
Sentiu
uma gastura e pela primeira vez uma coisa nova inchando seu coração no peito e
a limpou uma turvação da vista na manga da camisa.
Cora Coralina.
Estórias da casa velha da ponte. 2. ed. São Paulo: Global, 1988.
04) Em relação ao texto, é
incorreto afirmar que:
a) O narrador utiliza os primeiros
parágrafos do texto quase exclusivamente para descrever o carro de bois.
b) O carro de bois é muito importante para
história pois se trata da ferramenta de trabalho do pai do menino.
c) No segundo parágrafo, descrevem-se os
bois que conduzem o carro.
d) O menino precisava ser colocado em cima
da sela do cavalo, porque não conseguia montar sozinho.
e) nra
05) Quando se cavalga, o
cavaleiro é o condutor. Essa afirmativa...
a) é válida e justificada pelo texto;
b) é válida, apesar de não ser justificada
pelo texto;
c) não é validada pelo texto, pois se
trata de carros de bois;
d) não é validada pelo texto pois na
narrativa o menino era o condutor, mesmo que pequeno de um carro de bois;
e) não é validada pelo texto pois nesse
caso o verdadeiro condutor é o cavalo, que conhece o trajeto, para sobre as
calçadas, desvia de buzinas e sabe onde ficam as casas dos fregueses.
06) “Na roça então criança não
tinha infância”. Sobre este trecho do texto pode-se afirmar que:
a) As crianças na roça, crescem muito
rápido, não aproveitando sua infância;
b) Crianças na roça adquirem maturidade
muito rapidamente, devido aos seus estudos;
c) Morar com os pais, muitas vezes, nos
fazem não aproveitar a infância;
d) Na roça, devido ao excesso de pessoas
adultas, quase não se vê infantis;
e) As crianças tinham pouca Liberdade
obedeciam cegamente os pais e tinham de ajudar no trabalho.
07) Qual passagem demonstra que o
pai, finalmente acreditou na história que seu filho contava?
a) Os bois que aguentassem o repuxado, e o
menino, esse, ninguém reparava nele.
b) Outra vez a baba do boi na camisa, o
grito do carreiro afobado, o tinido das argolinhas e a grande aspa passando a
criança pra um lado.
c) - Quem já viu aguiero chamá boi de
banda...Passa pra frente porquera...
d) Não pisou, não esmagou. Virou o
guampaço num jeito e passou a criança pra um lado sem magoar.
e) O homem sacudiu a vara e pondo reparo.
A argola retiniu, as juntas arrancaram.