segunda-feira, 3 de junho de 2024

TAREFA DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA 08/06/24 – VALE 10,0%

Primeiramente, quero que leiam as REGRAS DE TAREFA:

(http://cursopreparatorioparacefetmt.blogspot.com/2022/01/regras-de-tarefa-do-curso-para-novos.htmlpara realizarem-na de forma correta e não deixar que sejam desclassificadas.

 Texto 01

 

O INCÊNDIO DE CADA UM

Affonso Romano de Sant'Anna

 A cena foi simples. Ia eu passando de carro pela Lagoa quando vi na calçada uma moça esperando o ônibus com seu jeans e bolsa a tiracolo. Nada demais numa moça esperando o ônibus. Mas eis que passou um caminhão de som tocando uma lambada. Aí aconteceu. Aconteceu uma coisa quase imperceptível, mas aconteceu: os quadris da moça começaram a se mexer num ritmo aliciante. Já não era a mesma criatura antes estática, solitária, esperando o ônibus na calçada. Ela havia se coberto de graça, algo nela se incendiara.

A fotógrafa veio fazer umas fotos. Estava com o pescoço envolto num pano, pois tinha torcicolo. E eu ali posando meio frio, fingindo naturalidade, e ela cautelosa com seu pescoço meio duro, tirando uma foto aqui, outra ali, quase burocraticamente. De repente, ela descobriu um ângulo, e pronto: se incendiou profissionalmente, jogou-se no chão, clic daqui, clic dali, vira para cá, vira para lá, este ângulo, aquele, enfim, desabrochou, o pescoço já não doía. Ela havia detonado em si o que mais profundamente ela era.

Estamos numa festa. Aquele bate-papo no meio daquelas comidinhas e bebidinhas. Mas de repente alguém insiste para que outro toque violão. Aparentemente a contragosto ele pega o instrumento. E começa a dedilhar. Pronto, virou outra pessoa. Manifestou-se. Elevou-se acima dos demais, está além da banalidade de cada um. Achou o seu lugar em si mesmo.

Assim também ocorre quando vemos no palco o cantor dar seus agudos invejáveis, o bailarino dar seus saltos ou o atleta no campo disparar seus músculos e fazer aquilo que só ele pode fazer melhor que todos nós. Isto é o que ocorre quando o instrumentista pega o sax e sexualiza todo o ambiente com seu som cavernoso e erótico. Isto é o que se dá até quando um conferencista ou um professor entreabre o seu discurso e põe-se como uma sereia a seduzir a plateia, como um maestro seduz todo o teatro.

Há um momento de sedução típico de cada um. Quando o indivíduo está assentado no que lhe é mais próprio e natural. E isto encanta.

Claro, esses são exemplos até esperados. Mas há outros modos de o corpo de uma pessoa embandeirar-se como se tivesse achado o seu jeito único e melhor de ser. Digo, o corpo e a alma.

Mas nem todos podemos ser tão espetaculares. Nem por isso o pequeno acontecimento é menos comovente.

De que estou falando? De algo simples e igualmente comovente. Por exemplo: o jardineiro que ao ser jardineiro é jardineiro como só o jardineiro sabe e pode ser.

E que ao falar das flores, ao exibi-las cercadas de palavras, percebe-se, ele está em transe. Igualmente o especialista em vinhos, que ao explicar os diversos sabores nos quatro cantos da boca faz seus olhos verterem prazer e embalam a quem o ouve com sua dionisíaca sabedoria.

Feita com amor, até uma coleção de selos se magnifica. Se torna mais imponente que uma pirâmide se a pirâmide for descrita ou feita por quem não a ama. É assim que pode entrar pela sala alguém e servir um cafezinho, mas sendo aquele o cafezinho onde ela põe sua alma, ela se torna de uma luminosidade invejável.

Cada um tem um momento, um gesto, um ato em que se individualiza e brilha. Nisto nos parecemos com os animais e peixes ou quem sabe com as nuvens. Animais e peixes têm isto: têm trejeitos raros e sedutores, cada um segundo sua espécie. Até as nuvens, como eu dizia, tem seu momento de glória.

Uma vez vi um pintor em plena ação, pintando. Meu Deus! O homem era um incêndio só, uma alucinação. Sua face vibrava, havia uma febre nos seus gestos. Era uma erupção cromática, um assomo de formas e volumes.

Então é disso que estou falando. Dessa coisa simples e única, quando o que cada um tem de mais seu relampeja a olhos vistos. Quando isto se dá, quebra-se a monotonia e o indivíduo se transcendentaliza.

Pode parecer absurdo, mas já vi uma secretária transcendentalizar-se ao disparar seus dedos no teclado da máquina de escrever. Era uma virtuose como só o melhor violinista ou pianista sabem ser. E as pessoas achavam isto mais sensacional que se ela estivesse engolindo fogo na esquina.

Isto é o que importa: o incêndio de cada um. Cada qual deve ter um jeito de deflagrar sua luz aprisionada. As flores fazem isto sem esforço. Igualmente os pássaros. Todos têm seu momento de revelação. É aguardar, que o outro alguma hora vai se manifestar.

 


(SANT’ANNA, Affonso Romano de. Porta de colégio e outras crônicas.3.

ed. São Paulo, Áttica, 1997. p. 86-9, “Para Gostar de Ler 16”)

 

01) No sexto parágrafo do texto, o autor afirma: “Claro que são exemplos até esperados”. Dentre os exemplos, citados nos parágrafos anteriores, NÃO podemos citar:

a) o da moça que esperava o ônibus;

b) o da fotógrafa, do maestro e do bailarino

c) o do violinista e do atleta, do conferencista

d) o do cantor e do saxofonista

e) todos acima

 

02) O que o cronista deseja demonstrar com exemplos citados na alternativa anterior?

a) deseja provar que, num determinado momento cada pessoa revela o que tem de melhor em si, encontra “seu jeito único e melhor de ser.”;

b) deseja demonstrar que as diferenças realmente existem, mas não são preponderantes nas relações;

c) deseja demonstrar que, aqueles que estudam chegam ao seu objetivo mais rapidamente, em detrimento aos que não possuem conhecimento.

d) deseja, de certa forma, demonstrar o valor interior das pessoas que trabalham com pessoas.

e) deseja demonstrar que a vitória pertence a todos aqueles que buscam superar seus limites.

 

03) Sobre o texto podemos afirmar que:

a) O autor considera os exemplos da questão 01 inesperados;

b) A comparação, um dos recursos que empregamos frequentemente, com a finalidade de ressaltar nossas ideias, é vista pelo autor através da relação feita entre o ser humano e animais, peixes, nuvens, mares e pássaros

c) A cena que se narra no segundo parágrafo faz supor que o cronista seja alguém comum, sem fama;

d) O fato de a fotógrafa ter ido até a casa do cronista para fotografá-lo provavelmente para alguma reportagem de Jornal ou revista, revela sua identidade.

e) Para escrever sua crônica o autor partiu de fatos excepcionais.

 

Texto 02

 

O BOI DE GUIA

 

O menino tinha nascido e se criado em Ituverava, da banda de Minas. O pai era um carreiro de confiança, muito procurado para serviços e colheitas. Tinha seu carro antigo, de boa mesa rejuntada, fueirama firme, esteirado de couro cru, roda maciça de cabiúna ferrada, bem provido o berrante de azeite e com seu eixo de cocão cantador que a gente ouvia com distância de légua. Desses que antigamente alegravam o sertão e que os moradores, ouvindo o rechinado, davam logo a pinta do carreiro.

        O pai tinha o carro e tinha as juntas redobradas em parelhas certas, caprichadas, bois arados, retacos, manteúdos, de grandes aspas e pelagem limpa. Era só que possuía. O canto empastado onde morava, família grande, meninada se formando e sua ferramenta de trabalho – os bois de carro.

        Trabalhava para os fazendeiros de roda, principalmente na colheita de café e mantimentos, meses a fio, enchendo tulhas e paióis vazios. Quando acabava o café, era a cana, do canavial para os engenhos, onde as tachas ferviam noite e dia e purgavam as grandes formas de açúcar, cobertas de barro.

        O candeeiro era ele, pirralho franzino, esmirrado, de cinco anos.

        Os pais antigos eram duros e criavam os filhos na lei da disciplina. Na roça, criança não tinha infância. Firmava-se nas pernas, entendia algum mandado, já tinha servicinho esperando.

        Aos quatro anos montava em pelo, cabresteava potranquinha, trazia bezerro do pasto, levava leite na cidade e entregava na freguesia.

        Era botado em riba do selote, não alcançava estribo. Se descesse, não subia mais. Punha o litro nas janelas.

        O cavalo em que montava era velho, arrasado manso e sabido. Subia nas calçadas, encostava nos alpendres, conhecia as ruas, desviava-se das buzinas e parava certo nos fregueses.

         Quando de volta, recolhendo a garrafa vazia, gritava desesperadamente:

        - Garrafa do leite...garrafa vaziiia! ...

        Um da casa, atordoado com a gritaria, se apressava logo a entregar o litro requerido.

        Ajudava o pai. Desde que nasceu, contava ele. Nunca se lembra de ter vadiado como os meninos de agora. Quando começou a entender o pai, a mãe, os irmãos, o cachorro e o mundo do terreiro, já foi fazendo servicinho. Catava lenha fina, garrancheira para o fogão, caçava pela saroba os ninhos das botadeiras, ia atrás dos peruzinhos e já quebrava xerém às chocas de pinto. Do pasto trazia os bois de serviço. Seu gosto era vir pendurado no chifre do guia barroso – tão grande, tão forte, tão manso – sempre remoendo seus bolos de capim, nem percebia, também não se importava, não dava mostras.

        Acostumou-se com os bois e os bois com ele. Sabia o nome de todos e os particulares de cada um. Chamava pra mangueira. O pai erguia os braços possantes e passava as grande cangas lustrosas; encorreiava os canzis debaixo das barbelas, enganchava o cambão, encostava o coice, prendia a cambota. Passava mão na vara, chamava. As argolinhas retiniam e o carro com sua boiada arrancavam o caminho das roças.

        Com cinco anos, era mestre-de-guia, com sua varinha argolada.

        Às vezes, o serviço era dentro de roças novas, de primeira derrubada, cheia e tocos, tranqueirada de paulama, mal-encoivaradas, ainda mais com seus muitos buracos de tatu.

        O carreador, mal-amanhado, só dava o tantinho das rodas. Os bois que aguentassem o repuxado, e o menino, esse, ninguém reparava nele. Aí era que o carro vinha de caculo. A colheita no meio da roça. Chuvas se encordoando de norte a sul ameaçando o ar do tempo mudado e o fazendeiro arrochando pressa.

        A boiada tinha de romper a pulso. O aguilheiro na frente, pequeno, descalço, seu chapeuzinho de palha, seu porte franzino, dando o que tinha.

        Sentia nas costas o bafo quente do guia. Sentia no pano da camisa a baba grossa do boi. O pai atrás, gritando os nomes, sacudindo o ferrão. A boiada, briosa e traquejada, não queria ferrão no couro, a criança atrapalhava. Aí, o guia barroso dava um meneio de cabeça, baixava a aspa possante e passava a criança pra um lado.

        O menino tornava à frente. Outra vez a baba do boi na camisa, o grito do carreiro afobado, o tinido das argolinhas e a grande aspa passando a criança pra um lado.

        O pai gritou frenisado:

        - Quem já viu aguiero chamá boi de banda...Passa pra frente porquera...

        - Nhô pai, é o boi que me arreda...

        - Passa pra frente, covarde. Deixa de invenção, inzoneiro...

        O menino enfrentou de novo. O homem sacudiu a vara e pondo reparo. A argola retiniu, as juntas arrancaram. O barroso alcançou a criança. Ia pisar, ia esmagar com sua pata enorme e pesada.

        Não pisou, não esmagou. Virou o guampaço num jeito e passou a criança pra um lado sem magoar. Aí o velho carreiro viu...viu o boi pela primeira vez...

        Sentiu uma gastura e pela primeira vez uma coisa nova inchando seu coração no peito e a limpou uma turvação da vista na manga da camisa.

 


Cora Coralina. Estórias da casa velha da ponte. 2. ed. São Paulo: Global, 1988.

  

04) Em relação ao texto, é incorreto afirmar que:

a) O narrador utiliza os primeiros parágrafos do texto quase exclusivamente para descrever o carro de bois.

b) O carro de bois é muito importante para história pois se trata da ferramenta de trabalho do pai do menino.

c) No segundo parágrafo, descrevem-se os bois que conduzem o carro.

d) O menino precisava ser colocado em cima da sela do cavalo, porque não conseguia montar sozinho.

e) nra

 

05) Quando se cavalga, o cavaleiro é o condutor. Essa afirmativa...

a) é válida e justificada pelo texto;

b) é válida, apesar de não ser justificada pelo texto;

c) não é validada pelo texto, pois se trata de carros de bois;

d) não é validada pelo texto pois na narrativa o menino era o condutor, mesmo que pequeno de um carro de bois;

e) não é validada pelo texto pois nesse caso o verdadeiro condutor é o cavalo, que conhece o trajeto, para sobre as calçadas, desvia de buzinas e sabe onde ficam as casas dos fregueses.

 

06) “Na roça então criança não tinha infância”. Sobre este trecho do texto pode-se afirmar que:

a) As crianças na roça, crescem muito rápido, não aproveitando sua infância;

b) Crianças na roça adquirem maturidade muito rapidamente, devido aos seus estudos;

c) Morar com os pais, muitas vezes, nos fazem não aproveitar a infância;

d) Na roça, devido ao excesso de pessoas adultas, quase não se vê infantis;

e) As crianças tinham pouca Liberdade obedeciam cegamente os pais e tinham de ajudar no trabalho.

 

07) Qual passagem demonstra que o pai, finalmente acreditou na história que seu filho contava?

a) Os bois que aguentassem o repuxado, e o menino, esse, ninguém reparava nele.

b) Outra vez a baba do boi na camisa, o grito do carreiro afobado, o tinido das argolinhas e a grande aspa passando a criança pra um lado.

c) - Quem já viu aguiero chamá boi de banda...Passa pra frente porquera...

d) Não pisou, não esmagou. Virou o guampaço num jeito e passou a criança pra um lado sem magoar.

e) O homem sacudiu a vara e pondo reparo. A argola retiniu, as juntas arrancaram.